Façamos da interrupção um caminho novo.
Da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte, da procura um encontro!

Fernando Sabino

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"A atualidade de Paulo Freire".Tirado do:(Blog do espaço educar)

PAULO FREIRE E O MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS

Professor Elias Celso Galvêas

Introdução

O analfabetismo no Brasil é uma mancha que envergonha a Nação. Embora não existam estatísticas atualizadas, acredita-se que, hoje, numa população de mais de 160 milhões de habitantes, cerca de 20% ou quase 30 milhões de brasileiros não saber ler e escrever. Isto explica, em grande parte, o atraso cultural e o subdesenvolvimento econômico e social do País, eis que o analfabeto é um deficiente mental, que não convive com a civilização e não progride no trabalho nem evolui socialmente. O analfabetismo é um fator de atraso político e altamente impeditivo do desenvolvimento econômico-social.

Dados Gerais sobre Paulo Freire

Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife, em 1921. Aos 15 anos era considerado um estudante atrasado, que escrevia mal e errado. É impressionante o sucesso que teve em sua carreira de educador, pois em 1970, vivendo em Genebra, dava aulas nas Universidades suíças.

Contra seu método de alfabetização de adultos surgiram muitas críticas. O ex-reitor da Universidade de Brasília, o físico José Carlos Azevedo, assegura que o método nem mesmo é dele, é de professores franceses, e não funciona, é inviável. A ex-deputada Sandra Cavalcanti considera a proposta de Paulo Freire demagógica e O Globo, em artigo de Carlos Swan, alertava a Nação para o fato de que seu método era um programa intensivo de comunização no Nordeste.

Paulo Freire é totalmente contra as idéias neo-liberais que advogam a preparação técnica e científica do aluno, para lhe dar uma profissão. “Isto é o esgotamento trágico da educação”, diz ele.

Paulo Freire, como Karl Marx, acredita que a sociedade só se transforma pela revolução, pela luta de classes. As classes dominantes impõem uma educação para o trabalho, com o objetivo de manter o homem dominado, sem escolha, sem liberdade. Daí que a educação liberadora é a“educação como prática da liberdade”, cujo objetivo é transformar o trabalhador em um agente político, que pensa, que vota, que elege seus pares, para que eles sejam a classe dominante. “A arma do homem é a palavra.” É através da palavra que o homem pode conquistar sua liberdade.

Paulo Freire, hoje, se dedica, exclusivamente, a participar de um curso de pós-graduação de pedagogos, na PUC de São Paulo.

Pelas suas idéias e pregação revolucionárias, Paulo Freire foi cassado pela Revolução de 1964 e passou 16 anos no exílio. Hoje, ele é cidadão honorário de 9 cidades brasileiras, além de Los Angeles, nos Estados Unidos, e doutor honoris causa por 28 universidades brasileiras e estrangeiras. Suas principais obras estão traduzidas em duas dezenas de línguas, inclusive grego e chinês.



Um pouco de História

A educação de adultos no Brasil ganhou maior importância a partir de 1932, com a Cruzada Nacional de Educação, seguido da Cruzada ABC, em 1952, de inspiração evangélica. Todavia, o programa mais importante foi o MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO – MOBRAL, criado em 1967. Em 1981, o MOBRAL foi substituído pela Fundação EDUCAR, que passou a dar prioridade ao ensino pré-escolar. Em 1990, o Governo lançou o PROGRAMA NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO, praticamente sem resultados.



Educação e Educação de Adultos – conceituação e pressupostos
teórico-práticos

Conforme assinalamos na Introdução deste trabalho, o Brasil ainda é, entre os países em processo rápido de crescimento, um dos mais atrasados em matéria de educação, ostentando a cifra vergonhosa de cerca de 15% de analfabetos entre a população adulta acima de 20 anos.

Inúmeras tentativas foram realizadas visando a alfabetização de adultos, entre as quais se destaca o MOBRAL. Todas essas iniciativas fracassaram, inclusive a do MOBRAL, que conseguiu alfabetizar alguns milhões de brasileiros, mas não teve continuidade, de modo que o pouco que aprenderam foi rapidamente esquecido.

A população adulta é a que trabalha e que vota, elegendo seus representes políticos. Daí a sua importância sob dois aspectos:

1º) com o objetivo de preparar o trabalhador para melhor desempenhar o seu trabalho, podendo ler e interpretar os manuais de operação dos equipamentos. No mundo moderno, o conhecimento técnico é indispensável para adquirir alguma especialização, que aumenta a produtividade do trabalhador e lhe garante melhores salários.

2º) com o objetivo de preparar o trabalhador para o exercício da cidadania, conferindo-lhe status político e lhe permitindo que, através da politização, possa participar do poder diretamente ou através da eleição de seus representantes.

A ênfase que se dá à alfabetização de adultos, nas escolas socialistas, se deve ao fato de que só o adulto detém o poder do voto e pode influenciar politicamente.

O Pensamento pedagógico crítico de Paulo Freire - “A Pedagogia do Oprimido”, A Educação como Prática da Liberdade” e “A Pedagogia da Esperança”

Conforme vimos antes, Paulo Freire investe contra o discurso liberal em matéria de educação, condenando a educação puramente técnica e científica.

Para ele, o trabalhador precisa adquirir uma consciência política, para desempenhar com inteira liberdade sua cidadania. É significativo o trecho da “Apresentação” de seu livro “Pedagogia do Oprimido”:

“Aos que constróem juntos o mundo humano (trabalhadores), compete assumirem a responsabilidade de dar-lhe direção. Dizer a sua palavra equivale a assumir conscientemente, como trabalhador, a função de sujeito de sua história, em colaboração com os demais trabalhadores – o povo”.

Paulo Freire considera o conceito de “educação bancária”, dizendo que o educando funciona como um “fundo bancário”, onde o educador vai fazendo “depósitos” de informação (arquivo). O educando memoriza os dados mecanicamente e os repete. O educador é o sujeito do processo e os educandos são meros objetos. Citando Simone de Beauvoir, Paulo Freire continua sua crítica, afirmando que o que pretendem os opressores é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime, e, isto, para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os domine.

Por isso, a educação libertadora do homem visa a construir o diálogo, através do qual os oprimidos possam confrontar os opressores.



A educação como ato político-sócio-cultural

Recentemente, afirmava Paulo Freire que “nos anos 60 a educação era tida como mágica, tudo podia; nos anos 70 e 80 era tida como negativa, nada podia. Agora, talvez estejamos chegando a uma condição de humildade, aceitando que a educação não é a chave de transformação da sociedade”.

De qualquer modo, apesar dessa nova visão sobre a educação no Brasil, Paulo Freire sustenta que seu método é, hoje, até mais atual que há três décadas atrás.

No fundo, os educadores socialistas brasileiros entendem que a estrutura econômica do País, comandada pelos grandes capitalistas, é que determina a estrutura do Poder político, dividindo a sociedade brasileira em dois grupos (classes), o da minoria que detém a riqueza e o poder e o da grande maioria que nada tem e vive à margem do progresso.

A influência marxista foi muito grande nos meios culturais brasileiros e, particularmente na área educacional. Conforme assinala Arnaldo Niskier, em Filosofia da Educação, “o praxis marxista assumiu várias tendências; ora é a pedagogia do conflito, ora é a educação transformadora (escola popular) ou ainda a educação contestatória (escola progressista).

Seus defensores atribuem à educação um caráter essencialmente político.

A maioria dos críticos de esquerda considera que o sistema de educação nacional foi organizado para servir ao capitalismo e aos empresários, contra os interesses do povo massa e, por isso, deve mudar. Mudar revolucionariamente. A crítica de fundo socialista vai contra não só a escola tradicional, conservadora, humanística, como a escola científica, tecnicista, cujo objetivo é preparar o homem para o trabalho. Contrariamente, a escola político-militante, também chamada de progressista, considera que o objetivo da educação é preparar o indivíduo para o exercício da cidadania, ou seja, para sua participação política.

A obra de Paulo Freire, tem, visivelmente, essa conexão marxista. Seus principais livros, “A Educação como Prática da Liberdade”, o “Papel da Educação na Humanidade” e a “Pedagogia do Oprimido” enfocam a luta de classes, entre oprimidos e dominantes.



O Método de Alfabetização proposto por Paulo Freire

As idéias de Paulo Freire em relação ao processo de alfabetização de adultos começa com a crítica do sistema tradicional que tinha a “Cartilha” como base. A velha “Cartilha” ensinava pela repetição de palavras aleatórias formadas pela junção de uma consoante e uma vogal.

Vejamos o caso da consoante “V”:

“Eva viu a uva
A ave é do Ivo
Ivo vai à roça”.

Era um método abstrato, pré-fabricado e imposto. A partir daí, Paulo Freire procurou os caminhos para encontrar um jeito mais humano de ensinar-aprender a ler e escrever.

Conforme assinala Carlos Rodrigues Brandão, em “O que é o método
Paulo Freire”,

“a educação deve ser um ato coletivo, solidário, um ato de amor”.



As “palavras geradoras”

A primeira etapa pedagógica de construção do método foi chamada por Paulo Freire de vários nomes: “levantamento do universos vocabular”, “descoberta do universo vocabular”, “pesquisa do universo vocabular” e “investigação do universo temático”.

Citada por Carlos Rodrigues Brandão, vejamos o que disse Arenice Cardoso:

“O contato inicial e direto que estabelecemos com a comunidade é durante do pesquisa do “universo vocabular – etapa realizada no campo e que é a primeira do Sistema Paulo Freire de Educação de Adultos... Não é uma pesquisa de alto rigor científico, não vamos testar nenhuma hipótese. Trata-se de uma pesquisa simples que tem como objetivo imediato a obtenção dos vocábulos mais usados pela população a se alfabetizar”.

Uma vez composto o universo das palavras geradoras, trata-se de exercitá-las com a participação ou co-participação dos elementos da comunidade.

Na verdade, esse exercício é muito semelhante ao método tradicional de formação e aprendizagem das palavras através da formação de sílabas básicas.



O método prático

As palavras geradoras, como dissemos, são escolhidas após pesquisa no meio ambiente. Assim, por exemplo, numa comunidade que vive em favela, a palavra FAVELA é geradora porque, evidentemente, está associada às necessidades fundamentais do grupo, tais como: habitação, alimentação, vestuário, transporte, saúde e educação.

Se houver possibilidade de utilizar um “slide”, projeta-se a palavra FAVELA e, logo em seguida a sua separação em sílabas: FA-VE-LA. O educador passa, então, a pronunciar as sílabas em voz alta, o que é repetido, várias vezes, pelos educandos.

Em seguida, projeta-se a palavra dividida em sílabas, na posição vertical:

FA
VE
LA

completando o quadro com os respectivos fonemas:

FA FE FI FO FU
VA VE VI VO VU
LA LE LI LO LU

A partir daí, o grupo passa a criar outras palavras, como FALA, VALA, VELA, VOVO, VIVO, LUVA, LEVE, FILA, VILA.

Outro exemplo, adaptável ao meio ambiente, é a palavra TRABALHO OU SALÁRIO.

TRA TRE TRI TRO TRU
BA BE BI BO BU
LHA LHE LHI LHO LHU

E assim por diante, vai-se fazendo, também a formação de palavras com fonemas já usados em palavras apresentadas anteriormente. Essas palavras constituem o que se chama FICHAS DE CULTURA, que podem ser acompanhadas de desenhos respectivos. P

or exemplo: CA-SA


As palavras geradoras não precisam ser muitas: de 16 a 23 é o bastante. No conjunto, elas devem atender a três critérios básicos de escolha:

- a riqueza fonêmica da palavra geradora;
- as dificuldades fonéticas da língua; e
- o sentido pragmático dos exercícios.

Na medida em que o aprendizado vai se desenvolvendo, forma-se um “circuito de cultura entre educadores e educandos, possibilitando a colocação de temas geradores para discussão através do diálogo.

Dessa forma, o objetivo da alfabetização de adultos vai levando a educando à conscientização dos problemas que o cercam, à compreensão do mundo e ao conhecimento da realidade social. Fica claro, então, que a alfabetização é o início do programa de educação.

Uma idéia desse contexto pode ser visualizada na discussão da palavra geradora SALÁRIO. Vejamos:

1) Idéias para discussão:

- valorização do trabalho e recompensa;
- finalidade do salário: manutenção do trabalhador e de sua família;
- horário de trabalho;
- o salário mínimo, o 13º salário;
- repouso semanal e férias.

2) Finalidade da conversa:

- discutir a situação do salário dos trabalhadores;
- despertar no grupo o conhecimento das leis trabalhistas;
- levar o grupo a exigir salários justos.

Evidentemente, o sentido pedagógico do método Paulo Freire é a politização do trabalhador, único meio de fortalecer a classe dos oprimidos e dar-lhe armas para lutar pela revolução social, contra as desigualdades e a favor da liberdade.


BIBLIOGRAFIA

Freire, Paulo
Pedagogia do Oprimido, Editora Paz e Terra, Rio, 1970
Educação como Prática da Liberdade – Editora Paz e Terra, Rio 1975


Brandão, Carlos Rodrigues
O Que É o Método Paulo Freire – Ed. Brasiliense – São Paulo, 1996

Niskier, Arnaldo
Filosofia da Educação – Ed. Traço + Linha – Rio, 1992

Confederação Nacional do Comércio
A Educação no Brasil – Coletânea de diversos autores, Rio 1995


Revista VEJA – nº de 29/06/96
Paiva, Vanilda Pereira
Paulo Freire e o Nacionalismo Desenvolvimentista - 1980